“A tolerância só vai até o limite de que o indivíduo homossexual não se organize, não proteste coletivamente, já que ‘eu não levanto uma bandeira pra dizer eu sou hétero’, indicando que não há reconhecimento de dores e discriminações que embasam movimentos sociais, como o LGBT.”
Trecho do livro Juventudes na Escola, Sentidos e Buscas, a partir de entrevistas qualitativas com jovens
Em escolas onde há mais atitudes preconceituosas, o desempenho médio de todos os alunos (e não apenas daqueles que são alvos dessa prática) em português e matemática é menor. E o preconceito, em geral, não atinge apenas um grupo. Ele afeta a todos.
Conclusões do estudo do MEC e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas/USP sobre Diversidade Na Escola
escola é, por excelência, um dos principais espaços de formação para a cidadania e de socialização de crianças, adolescentes e jovens. Ela, no entanto, nem sempre se mostra capaz de lidar com a diferença, em particular com as questões ligadas à sexualidade e à orientação sexual. Esta dificuldade traz sérias consequências a todos os estudantes, prejudicando seu aprendizado e bem-estar. E também impede que a escola desempenhe adequadamente uma de suas mais importantes funções sociais nos dias de hoje: contribuir para o fortalecimento na sociedade de uma cultura que saiba respeitar e valorizar a diversidade.
Em 2009, pesquisa encomendada pelo Ministério da Educação à Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP) concluiu que as principais vítimas de bullying e discriminação no ambiente escolar eram homossexuais*, negros e pobres.
O estudo identificou também que em escolas em que havia mais atitudes preconceituosas, o desempenho médio dos alunos (não apenas daqueles que eram alvo dessas práticas) em português e matemática era menor. Outra conclusão é que, em geral, níveis maiores de preconceito numa escola não prejudicam apenas um grupo. Se há preconceito contra alunos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), é maior a probabilidade de no mesmo ambiente haver preconceito também contra negros, pobres, mulheres ou qualquer outra forma de discriminação estudada no levantamento.
Outro estudo que identificou a discriminação contra a população LGBT foi divulgado no ano passado pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), no livro “Juventudes na Escola, Sentidos e Buscas: Por que Frequentam?”. Foi confirmado o alto percentual de rejeição pelos colegas enfrentado pelos jovens homossexuais, transexuais, transgêneros ou travestis . Os pesquisadores fizeram ainda entrevistas aprofundadas com grupos de alunos, o que permitiu identificar em muitos casos uma tendência apenas de tolerância (ao invés da aceitação) da homossexualidade.
Pesquisas internacionais trazem mais evidências de como a discriminação afeta o desempenho e bem-estar de estudantes na escola. Em 2009, cientistas da Universidade de Illinois publicaram um estudo feito com cerca de 10 mil estudantes norte-americanos que mostrou que jovens gays, lésbicas e bissexuais são as principais vítimas de agressões e manifestações discriminatórias. Constatou também que esses grupos, por conta dessa discriminação, estavam mais propensos a faltarem às aulas, a usarem drogas, a se sentirem deprimidos e a adotarem comportamentos suicidas em comparação com os demais estudantes.
O estudo americano mostra ainda que a escola pode desempenhar um papel crucial para a diminuição desses efeitos negativos, criando um clima positivo e reduzindo o assédio homofóbico. Isso demanda a criação de um ambiente proativo e pautado pelo respeito às diferenças. Para tanto, temas como identidade de gênero e orientação sexual devem fazer parte das rotinas escolares e pedagógicas.
No Brasil, a inclusão dessa temática ainda não é uma realidade na maioria das instituições de ensino. Indicação disso é o fato de que mais da metade das escolas brasileiras que oferecem ensino médio não desenvolvem projetos sobre machismo e homofobia, segundo dados do Saeb 2011. E há ainda o agravante de estar crescendo no país um movimento de pressão por omissão desses temas no ambiente escolar.
Com objetivo de promover a igualdade de oportunidades e de melhorar a qualidade da aprendizagem, investiu-se nos últimos anos, no âmbito do governo federal, na produção de ações e materiais didáticos e voltados à formação docente enfocando as questões de gênero e da diversidade sexual. A iniciativa desencadeou uma falsa polêmica em torno da adequação de se tratar desses temas no ambiente escolar, em alguns casos sob o argumento equivocado de que esses materiais seriam peças de propaganda em favor de uma determinada orientação sexual. Esta reação levou à suspensão, em 2011, da decisão de se distribuir um material produzido com este fim específico pelo MEC.
O debate prolongou-se nos anos seguintes, durante as discussões acerca do Plano Nacional de Educação (PNE), cuja versão preliminar incluía uma referência à promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual entre suas diretrizes. No entanto, durante a tramitação no Congresso Nacional, o texto do PNE foi alterado e a versão final preconiza a promoção da cidadania e a erradicação de todas as formas de discriminação de maneira genérica. Em consequência disso, as referências a metas voltadas à promoção da igualdade de gênero e de orientação sexual na escola foram suprimidas também de planos estaduais e municipais em diversas localidades.
Apesar de alguns avanços, o mais comum, no que diz respeito à sexualidade e às questões de gênero, é limitá-las ao trabalho pedagógico nas aulas de Ciências e Biologia. No entanto, é crucial ir além dos conteúdos curriculares ao abordar esses temas na escola, adotando-se uma perspectiva crítica, pautada pelos direitos humanos, sexuais e reprodutivos. Escapa-se, assim, de uma visão essencialista e naturalizante que associa a sexualidade aos conceitos biológicos de macho e fêmea. É fundamental que sejam evidenciadas e discutidas com os alunos as dinâmicas sociais, políticas, históricas e culturais que servem tanto para instituir as desigualdades entre homens e mulheres quanto para legitimar um comportamento tido como padrão.
Ao trazer essa nova abordagem, a escola permite que os alunos possam também expressar suas visões de mundo, seus questionamentos e dúvidas a respeito de temas comuns nessa fase da vida. Finalmente, colabora para que os jovens tenham referências sociais e culturais que lhes permitam compreender as questões relacionadas à identidade de gênero e orientação sexual sem preconceitos – dentro e fora da escola.
Tratar desses temas ligados a sexualidade é de crucial importância para os jovens num período em que eles necessitam de preparação adequada para sua vida sexual. Ao elaborar uma publicação direcionada a escolas sobre Orientação Técnica Internacional sobre Educação em Sexualidade, a Unesco enfatiza que a segurança na sala de aula deve ser fortalecida por políticas anti-homofóbicas e anti-discriminação de gênero, tornando-se um espaço onde os alunos possam se expressar sem a preocupação de serem humilhados, rejeitados ou maltratados. A entidade enfatiza também no documento que é preciso considerar que a diversidade é uma característica fundamental da sexualidade.
Outra publicação que pode servir de referência ao trabalho na escola é o guia Gênero e Diversidade na Escola, elaborado em 2009 pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade em Direitos Humanos da Uerj, em parceria com o MEC e com as secretarias de Políticas para Mulheres e de Igualdade Racial.
As situações de desigualdade no ambiente escolar devem ser abordadas pelas equipes das escolas, tendo em vista a criação de condições de equidade de acesso e aprendizagem. No caso dos estudantes LGBT, é preciso superar a visão normatizadora e homogeneizadora, que preconiza que os diferentes devem se adaptar às regras e conceitos de “normalidade”. Dessa maneira, o diferente passa a ser tratado artificialmente como igual, num tipo de postura que dá suporte, ainda hoje, às falas de educadores que reconhecem a existência de discriminações, mas acreditam que é melhor permanecer em silêncio para evitar que os preconceitos surjam. Porém, o efeito acaba sendo o contrário, pois o silêncio cria a impressão de que as diferenças não existem, mascarando e reforçando as desigualdades em nome de uma suposta normalidade.
*O texto deste boletim manteve nomenclaturas utilizadas pelos pesquisadores no contexto de cada pesquisa para ser fiel aos resultados, pois a mudança de uma simples palavra num questionário pode alterar significativamente as respostas dos entrevistados.
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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
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