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Infográfico - Tudo sobre

Nº 20 - nov.2016

Em busca de um modelo para o ensino médio

>> Experiências internacionais mostram que não há receita única para o sucesso

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>> Flexibilização é caminho comum, mas jovens precisam poder rever suas escolhas

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>> Escolha de trajetórias precisa ser feita com critério, para não aumentar desigualdades

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s baixos indicadores de aprendizagem e as altas taxas de evasão no Ensino Médio não deixam dúvida de que algo precisa mudar para torná-lo mais atrativo e significativo para os jovens brasileiros. Se há praticamente consenso em relação a esse diagnóstico, o mesmo não pode ser dito a respeito dos caminhos para mudar esse cenário. Prova disso são os intensos debates que vêm acontecendo desde que, em setembro de 2016, o governo optou por enviar sua proposta de reforma do Ensino Médio via Medida Provisória ao Congresso.

Para enriquecer esse debate, é fundamental olhar para as experiências de outros países. Mas é um engano acreditar, ainda mais no caso do Ensino Médio, que exista um modelo pronto a ser copiado. Uma das razões para isso é que há poucos elementos objetivos para identificar quais nações estão tendo melhores resultados de aprendizagem nessa etapa. É comum vermos esse exercício sendo feito a partir do Pisa, exame da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que avalia jovens de mais de 60 nações em testes de Ciências, Linguagem e Matemática. No entanto, por ser uma prova aplicada a jovens de 15 anos de idade, os resultados retratam de alguma maneira o que ocorreu na trajetória do estudante da Educação Infantil ao Ensino Fundamental, mas pouco ou nada dizem sobre o que aconteceu no Médio.

Os dados do Pisa trazem, porém, ao menos uma informação relevante a ser considerada nas comparações internacionais: os alunos de diferentes países ingressam no Ensino Médio com níveis bastante distintos de aprendizagem. No caso brasileiro, isso reforça a lembrança de que, qualquer que seja a reforma nessa etapa de ensino, ela não resolverá sozinha problemas que se acumulam desde a base. Os baixos resultados de aprendizagem verificados ao final do Ensino Médio (apenas 10% de alunos com aprendizado adequado em Matemática e 27% em Língua Portuguesa) resultam, portanto, não apenas de problemas nesta etapa, mas também de defasagens que o aluno vem acumulando desde o Fundamental.

DILEMAS COMUNS

Feitas todas essas ressalvas, olhar para o que acontece em outros países é um exercício necessário, ainda mais considerando que muitas nações, apesar de estarem em patamares diferentes de desenvolvimento, também enfrentam dilemas comuns aos brasileiros. É o caso da necessidade de aumentar a atratividade do Ensino Médio dando aos jovens mais opções de escolha, mas com o cuidado de não aumentar desigualdades. Para contribuir com o debate, o Instituto Unibanco convidou especialistas de três países para debater seus modelos no seminário Desafios Curriculares do Ensino Médio. Foram convidados representantes da província de Ontário (Canadá), da Finlândia e da Alemanha. Serão analisadas também as experiências da Austrália e da Suíça.

Uma análise do modelo escolhido por esses três países revela pontos em comum e outras especificidades. O modelo alemão, por exemplo, é mundialmente reconhecido pela importância que dá ao ensino profissionalizante. Há escolas que preparam os jovens para o ingresso no Ensino Superior, e outras que atendem alunos que optam por uma trajetória que permita um ingresso imediato no mercado de trabalho. Cerca de metade dos alunos opta por esse modelo, em que há grande interação entre o setor produtivo e as escolas, com parte da grade curricular cumprida em estágios. Mas há questões que preocupam educadores na Alemanha. Uma delas é o fato de a origem social das famílias estar fortemente correlacionada com a escolha que os alunos fazem. Em geral, filhos de pais que fizeram universidade tendem a optar pelo Ensino Médio acadêmico, enquanto jovens de famílias que fizeram apenas o profissionalizante são mais propensos a repetir a trajetória de seus pais, o que gera um debate a respeito da manutenção das desigualdades.

Na Finlândia, um dos países com maiores taxas de conclusão do Ensino Médio no mundo, também há a possibilidade de o aluno optar por uma trajetória acadêmica (que atrai principalmente quem planeja ingressar no Ensino Superior) e outra vocacional. Esta última é escolhida por 42% dos jovens. É possível também combinar as duas, opção de 15% a 20% dos alunos por lá. A Finlândia possui um currículo com 18 disciplinas obrigatórias, mas, diferentemente do Brasil (onde são 13 as disciplinas obrigatórias), organiza sua estrutura num sistema de créditos. São necessários 75 para se formar, mas a parte obrigatória a todos corresponde de 47 a 51 créditos, ou seja, entre 63% a 68% do tempo total do Ensino Médio.

 

“É importante notar que não há uma solução ideal em termos de qual deve ser o balanço ideal entre a educação geral e técnica nas escolas do Ensino Médio. Do mesmo modo, não há nada, ou nenhum país, que a organize da ‘forma correta’.

 

A composição do ensino secundário em qualquer país é – pelo menos até certo ponto – resultado de determinantes culturais, históricos e sociais e, desse modo, muitas vezes difícil de ser compreendida em contextos isolados”

Pasi Sahlberg, educador finlândes

DIVERSIFICAR O ENSINO MÉDIO

Outro modelo que merece ser estudado é o da província canadense de Ontario, onde, após diversas reformas no Ensino Médio, a taxa de conclusão aumentou de 68% para 86% entre 2003 e 2014. As reformas de Ontario se basearam em pesquisas feitas com jovens que haviam abandonado a escola. Um dos diagnósticos era o de que era preciso diversificar o Ensino Médio, para atender a diferentes demandas dos jovens. Em Ontario, há um currículo mínimo obrigatório, mas as disciplinas são divididas também por meio de um sistema de créditos, o que permite que um aluno não tenha que repetir todas as disciplinas num ano seguinte caso tenha sido reprovado em apenas uma. Um ponto de atenção na reforma educacional de Ontario é que ela veio acompanhada de uma série de políticas específicas para incentivar os jovens a concluírem os estudos. Uma delas foi a criação da figura de um profissional, que atua em cada escola e é responsável pelo êxito estudantil. O objetivo é dar apoio especializado a alunos que estão tendo mais dificuldades. Nas pesquisas sobre jovens que permaneceram na escola no Canadá, um fator que os estudantes destacaram como fundamental para sua permanência foi a existência de um adulto que lhe deu apoio, principalmente nos momentos mais difíceis.

MARGEM PARA REVER ESCOLHAS

Como já dito aqui, é improdutivo ir atrás de experiências internacionais em busca de modelos prontos a serem copiados. Mas o exercício de olhar para fora nos fornece algumas pistas de caminhos possíveis. Por exemplo: apesar de terem modelos bastantes distintos, os três países analisados têm uma característica que os difere bastante do modelo brasileiro: a possibilidade de o estudante optar por diferentes trajetórias durante o Ensino Médio. A experiência internacional mostra que a escolha dessas trajetórias precisa ser feita com critério, pois, se acontecer muito cedo, antes dos 15 anos, são significativamente maiores os riscos de as opções dos jovens refletirem seu nível socioeconômico, com estudantes mais pobres e mais ricos optando por caminhos que reforçarão desigualdades, ou mesmo dos quais se arrependerão no futuro. É por esta razão que especialistas estrangeiros consultados pelo Instituto Unibanco foram praticamente unânimes em apontar que é necessário, na construção ou reforma de um sistema mais flexível para o Ensino Médio, apoiar os jovens no momento de decisão, e garantir que eles possam rever suas escolhas ao longo do caminho.

No caso brasileiro, é importante destacar também que o debate sobre a nova estrutura do Ensino Médio acontece também no âmbito da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que fornece uma oportunidade para organizar de forma mais eficiente os conteúdos e as disciplinas a serem oferecidos a todos os estudantes. Num país com níveis ainda tão altos de desigualdade, é fundamental que as decisões tomadas pelo poder público nessas duas frentes considerem também a urgência de pensar em mecanismos que enfrentem desigualdades raciais, de gênero, regionais, socioeconômicas, além de garantirem aos alunos com deficiência um acolhimento mais efetivo. Porém, a lição maior dos países com bons resultados em educação é de que não é possível dar o salto de qualidade com redução das desigualdades sem considerar também fatores sistêmicos de qualquer modelo educacional, como um mecanismo adequado de financiamento, uma boa gestão do sistema, e a qualificação e valorização profissional dos professores.

PARA SABER MAIS

  • Ciclo de Seminários Internacionais Educação no século XXI: Ensino Médio Diversificado, Instituto Alfa e Beto (2008): bit.ly/2eB4xoy
  • Ensino Médio: Caminhos para um Currículo Flexível, Boletim Aprendizagem em Foco nº 3, Instituto Unibanco (dez/2015): goo.gl/MyAEaZ
  • Flexibilização do Ensino Médio Exige Ajustes na Carga Horária, Boletim Aprendizagem em Foco nº 16, Instituto Unibanco (set/2016): bit.ly/2eB5FZA
  • Medida Provisória 746 (2016): bit.ly/2cA1SyL
  • Projeto de Lei 6.840 (2013): bit.ly/2bKqTVs

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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.

 

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