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insatisfação dos jovens com o modelo educacional predominante no país ficou ainda mais evidente neste ano de 2016 por causa das ocupações de escolas. O movimento deixou claro que não se pode mais pensar em implementar, em qualquer esfera de gestão, reformas que vão afetar profundamente a vida desses estudantes sem que eles sejam ouvidos durante o processo. Pesquisas recentes com jovens brasileiros mostram que ainda há muito a avançar para tornar efetivos mecanismos permanentes de escuta.
Um desses levantamentos foi feito pelo Instituto Inspirare, que ouviu 132 mil alunos de 13 a 21 anos, predominantemente do Sudeste, via internet, na pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”. A amostra não é representativa da população brasileira, mas adota uma metodologia inovadora, com um questionário desde o início construído com a participação de jovens. O questionário está disponível no site da pesquisa (veja link no Para Saber Mais) para ser aplicado por qualquer gestor em sua escola.
Na pesquisa, o currículo engessado e práticas pouco participativas de tomada de decisão na escola estão no centro das críticas dos adolescentes e jovens. Embora 70% dos entrevistados afirmem gostar de estudar em suas escolas e 72% digam que aprendem coisas úteis lá, somente 4 entre 10 estão satisfeitos com as aulas e materiais pedagógicos e 57% avaliam como regular ou ruim o uso de tecnologia.
Outro levantamento recente que escutou os estudantes foi elaborado pelo movimento Mapa Educação, e resultou no manifesto “A Voz do Jovem”. Assim como apareceu na pesquisa do Instituto Inspirare, também aqui os estudantes demonstram valorizar a escola, pois quase 90% dos entrevistados dizem gostar “muito” ou “um pouco” de estudar e acreditam que a educação os “fará alcançar os seus sonhos”. A pesquisa foi desenvolvida a partir da análise das respostas de 11.519 estudantes entre 9 e 24 anos e também adotou uma metodologia participativa, cujo universo pesquisado não é representativo da população.
Para os participantes da pesquisa “A Voz do Jovem”, a integração de toda a comunidade escolar (gestores, coordenadores, estudantes, professores, pais e responsáveis, entre outros atores) é uma das chaves para melhorar a educação e aproximar o aluno da escola. A integração e a intensificação da participação dos atores, especialmente dos jovens, está diretamente relacionada ao fortalecimento de canais tais como os grêmios e representações de classe, nas quais os estudantes têm voz ativa e estão em posição de responsabilidade.
Porém, no entendimento dos jovens, a participação vai além de opinar e encaminhar sugestões aos gestores das escolas: eles querem se envolver diretamente nas decisões da escola e na sala de aula – o que ainda não ocorre, segundo 72% dos entrevistados na pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”.
“O sistema educacional, tanto no Fundamental como no Médio, carece dessa atenção para o aluno, carece de escutar o estudante. Por isso, estamos na rua. Por isso, estamos ocupando nossas escolas, porque a gente está vendo que do jeito que está não vamos conseguir ir muito mais para frente”, relatou a estudante paranaense Ana Júlia Ribeiro durante o Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino Médio, realizado em novembro de 2016 em São Paulo (SP).
Lidiane de Paula Ferreira, ex-aluna da rede estadual do Rio de Janeiro que integrou umas das mesas do encontro, fez uma fala na mesma linha: “[O que temos hoje] não é uma escola democrática, porque por mais que queiram dar voz ao aluno não respeitam o que ele quer, não se interessam em ouvir para saber o que precisa melhorar”, afirmou.
O desejo de estudar e o vínculo com a escola nem sempre se traduzem, contudo, em motivação. O manifesto “A Voz do Jovem” identifica dois fatores como responsáveis pelo problema: o conteúdo desinteressante (o que abrange o formato tradicional em que ele é apresentado, ou seja, aulas demasiadamente expositivas) e a falta de participação nas decisões da escola e na definição do que devem aprender. A ênfase no conteúdo que dialoga pouco com a realidade do aluno foi a principal crítica dos estudantes ouvidos no estudo do Mapa Educação. O ensino de atualidades e a interdisciplinaridade são citados como estratégias para superar esse distanciamento.
A pesquisa do Instituto Inspirare investigou as expectativas dos jovens em relação à escola considerando quatro categorias: a escola para aprender, a escola que respeita a individualidade de todos, a escola inovadora e a escola que deixa feliz, evidenciando as expectativas dos jovens quanto a uma escola que lhes ofereça oportunidades condizentes com sua diversidade de interesses.
Em geral, para todos os perfis de escolas, os estudantes querem a flexibilidade curricular, mas ela não deve ser absoluta: 25% desejam ter algumas disciplinas obrigatórias e poder escolher outras; outros 21% querem ter disciplinas obrigatórias no horário de aula, e eletivas no contraturno. Independente do tipo de escola, as respostas mostram que há múltiplos interesses entre os estudantes de Ensino Médio, com uma parcela deles dizendo que o foco deve ser a preparação para o Enem e vestibulares, enquanto outros destacam a preparação para o mercado de trabalho. Na escola que os jovens reconhecem como aquela para aprender, por exemplo, a preparação para o Enem/vestibular foi citada como foco principal por 34% dos entrevistados, enquanto a preparação para o mercado de trabalho apareceu na resposta de 24% dos entrevistados.
Vídeo da mesa “Do Ensino Médio que temos ao Ensino Médio que queremos”, da qual Ana Júlia e Lidiane participaram
Para os participantes da pesquisa “A Voz do Jovem”, a integração de toda a comunidade escolar (gestores, coordenadores, estudantes, professores, pais e responsáveis, entre outros atores) é uma das chaves para melhorar a educação e aproximar o aluno da escola. A integração e a intensificação da participação dos atores, especialmente dos jovens, está diretamente relacionada ao fortalecimento de canais tais como os grêmios e representações de classe, nas quais os estudantes têm voz ativa e estão em posição de responsabilidade.
Porém, no entendimento dos jovens, a participação vai além de opinar e encaminhar sugestões aos gestores das escolas: eles querem se envolver diretamente nas decisões da escola e na sala de aula – o que ainda não ocorre, segundo 72% dos entrevistados na pesquisa “Nossa Escola em (Re)Construção”.
“O sistema educacional, tanto no Fundamental como no Médio, carece dessa atenção para o aluno, carece de escutar o estudante. Por isso, estamos na rua. Por isso, estamos ocupando nossas escolas, porque a gente está vendo que do jeito que está não vamos conseguir ir muito mais para frente”,
relatou a estudante paranaense Ana Júlia Ribeiro durante o Seminário Internacional Desafios Curriculares do Ensino Médio, realizado em novembro de 2016 em São Paulo (SP).
A incorporação da escuta dos jovens e de práticas democráticas à gestão é algo que algumas escolas no Brasil já conseguem fazer, cada uma a seu modo. O boletim Aprendizagem em Foco número 13 trouxe relatos de alguns gestores que melhoraram, a partir da participação dos jovens, a gestão da escola. Não há uma fórmula única, mas algumas ideias podem ser inspiradoras.
Na Escola Estadual Maria de Novaes Pinheiro, em Viana (ES), a diretora Carolina dos Santos conta que conseguiu melhorar os índices de aprendizagem após fazer uma pesquisa de satisfação com os jovens. Nesse processo, a equipe gestora descobriu que os alunos demandavam mudanças no formato das aulas, com maior integração entre teoria e prática. Diante desse diagnóstico, a escola promoveu um seminário para ajudar os professores a reverem sua metodologia. O processo deu tão certo que Carolina conta que passou a utilizar a pesquisa com os jovens de forma sistemática, sempre que é diagnosticado um ponto de atenção.
Depoimento da diretora Carolina dos Santos
O maior envolvimento dos jovens nas discussões sobre os problemas da escola são também uma oportunidade para que eles exerçam seu protagonismo e contribuam na busca de soluções. Na escola Andrea Barreto Cavalcanti, em Maracanaú (CE), por exemplo, a estudante Rayanne Farias contou que sua escola decidiu envolver os representantes de turma e o grêmio numa ação de combate à evasão. Após uma reunião, os estudantes fizeram, em conjunto com a equipe da escola, um diagnóstico para identificar os alunos evadidos e iniciaram uma busca ativa, telefonando ou visitando-os.
“Depois que terminarmos essas etapas, vamos fazer vários atos na comunidade mostrando a importância do adolescente e do jovem estar dentro da escola. Queremos mostrar que estudar vale a pena. Queremos inserir o adolescente e o jovem na escola, que é o lugar deles”.
Rayanne Farias, estudante do Ensino Médio em Maracanaú (CE)
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Aprendizagem em Foco é uma publicação quinzenal produzida pelo Instituto Unibanco. Tem como objetivo adensar as discussões sobre o contexto educacional brasileiro, a partir de pesquisas, estudos e experiências nacionais e internacionais.
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