caba neste ano de 2016 o prazo dado pela Emenda Constitucional nº 59 para que todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos estejam matriculados na escola. Os dados mais recentes, referentes ao ano de 2014, indicam, infelizmente, que não vamos conseguir atingir esse objetivo no prazo. O principal problema está na faixa etária de 15 a 17 anos, na qual, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE), há 1,7 milhão de jovens fora da escola, o equivalente a 16% dessa faixa etária.
Uma análise mais cuidadosa dos dados do IBGE mostra que há perfis bastante distintos desses jovens de 15 a 17 anos que já não mais estudam. Como já destacado na edição número 2 do Boletim Aprendizagem em Foco, que tratou do tema das desigualdades raciais nessa faixa etária, a maioria (52%) dos jovens fora da escola abandonou os estudos sem sequer ter completado o Ensino Fundamental. Este é o subgrupo mais vulnerável, pois são brasileiros que, caso não voltem a estudar, terão altíssima probabilidade de inserção precária no mercado de trabalho, além de não terem tido seu direito à Educação Básica assegurado. Outro grupo que também preocupa pelas mesmas razões é o dos que completaram o Fundamental, mas não concluíram o Médio.
É preciso considerar ainda um perfil de aluno incluído nas estatísticas dos que estão fora da escola: são jovens que estão sem estudar no momento, mas já concluíram o Ensino Médio. E a boa notícia é que esse contingente está crescendo. Como se vê pelo gráfico acima, esses alunos têm renda média domiciliar muito superior à dos demais.
Para identificar os grupos mais vulneráveis à evasão precoce, portanto, faz sentido excluir da análise aqueles que já completaram o ensino médio. Ao fazer isso, é possível identificar que da população total (dentro ou fora da escola) de homens de 15 a 17 anos, por exemplo, 14% não estudavam e não haviam completado o Ensino Médio. Entre mulheres, a proporção é de 12%. Essas proporções são maiores entre negros (16%) do que entre brancos (10%).
Outra característica marcante do grupo de jovens que parou de estudar precocemente é a elevada taxa de gravidez entre adolescentes. Do total de 1,3 milhão de jovens de 15 a 17 anos fora da escola sem Ensino Médio concluído, 610 mil são de mulheres. Entre essas mulheres que abandonaram a escola precocemente, mais de um terço delas (o equivalente a 212 mil) já eram mães. Entre as 4,2 milhões de mulheres que ainda estavam estudando, apenas 95 mil já eram mães (ou 2% do total das que ainda estudavam).
Uma análise de estudos feito para o Instituto Unibanco em 2010 pelo pesquisador da USP Reynaldo Fernandes já havia detectado alguns desses fatores de risco. O trabalho destaca que os homens tendem a evadir mais do que as mulheres, mas alerta que a gravidez precoce eleva em quase quatro vezes o risco de evasão. Esse dado sinaliza que governos e escolas devem agir preventivamente, seja para orientar as jovens a evitar uma gravidez indesejada, seja na formulação de políticas que permitam que essas mães deem continuidade a sua trajetória de estudos.
Outro fator que eleva o risco de o aluno evadir é a participação no mercado de trabalho, que é mais alta entre os homens de 15 a 17 fora da escola sem Ensino Médio completo: quase dois terços deles trabalham ou estão procurando emprego. Entre os meninos da mesma faixa etária ainda na escola, esta proporção cai pela metade.
O ingresso de jovens com escolaridade tão precária no mercado de trabalho é preocupante. Como destaca um relatório divulgado em janeiro de 2016 pelo Banco Mundial, a evasão precoce é o caminho mais comum na América Latina para ingresso nas estatísticas dos homens jovens que nem estudam nem trabalham. Sem as habilidades necessárias para conquistar uma vaga no mercado formal, o mais comum é que esses jovens se ocupem no setor informal, sem direitos trabalhistas e com mais instabilidade. Uma vez que perdem o emprego, dificilmente voltam a estudar. No relatório, o Banco Mundial diz que escolas precisam monitorar a situação de jovens em risco de evasão e sugere uma abordagem socioemocional, com ações de tutoria e acompanhamento individualizado.
Uma informação importante que as pesquisas do IBGE e do MEC trazem para os gestores na educação é a idade em que os alunos deixam de estudar. Dados da Pnad, do IBGE, mostram que, uma vez ingressando na escola, quase a totalidade dos alunos permanece estudando até 14 anos de idade. A partir dos 15, a proporção de evadidos vai aumentando significativamente até chegar a 19% aos 17 anos de idade (excluindo aqueles que completaram o Ensino Médio nessa idade).
Outro fator importante a ser considerado é a defasagem idade-série, medida pelo percentual de alunos que estão dois ou mais anos atrasados em relação a série em que deveriam estar cursando. O estudo feito por Reynaldo Fernandes em 2010 e já mencionado nesta edição concluiu que o atraso escolar, decorrente principalmente das elevadas taxas de repetência no Brasil, é a principal característica dos alunos com alto risco de abandono. Até os 8 anos de idade, essa taxa é praticamente nula. A partir daí, cresce exponencialmente, até chegar a 37% aos 17 anos de idade. É um dado preocupante, mas que já foi pior: em 2004, eram 55% nessa mesma idade.
Num estudo feito em 2015 pelos pesquisadores Ruben Klein e Leandro Marinho, da Fundação Cesgranrio, foi calculada a taxa de repetência e de evasão em cada ano dos Ensinos Fundamental e Médio, a partir do Censo Escolar do MEC. Os maiores percentuais de alunos repetentes são verificados no 1º ano do Ensino Médio e nos 3º e 6º anos do Ensino Fundamental. No caso da evasão, a tendência é de aumento a cada ano, sendo o pico verificado também no 1º ano do Ensino Médio. Fica claro, portanto, que o primeiro ano da transição do Fundamental para o Médio requer atenção especial dos gestores escolares.
Entender o perfil do jovem que evade da escola e identificar os momentos em que esse movimento é mais provável são ações importantes a serem realizadas pelos gestores de escolas e dos sistemas educacionais. Os estudos feitos com dados do IBGE e do MEC indicam que há grupos em maior risco. São jovens de baixa renda, em sua maioria negros, que trocam (especialmente no caso dos homens) com frequência os estudos por um trabalho precário ou que (no caso das mulheres) ficam grávidas já na adolescência. Sobre muitos desses fatores externos, a escola tem pouca interferência. Há, porém, razões que levam ao abandono e que estão mais diretamente ligadas ao ambiente escolar. É o caso da repetência e do desinteresse do jovem pelos estudos, motivados pela baixa qualidade do ensino e por um currículo, especialmente no Ensino Médio, enciclopédico e com pouca flexibilidade para escolhas.
A evasão, como destacou Reynaldo Fernandes em seu estudo, “não é um ato repentino, mas fruto de um processo lento de desengajamento do estudante da escola”. É preciso estar atento e agir preventivamente para que todo jovem tenha o seu direito de aprender e concluir o Ensino Médio garantido.
“A evasão não é um ato repentino, mas fruto de um processo lento de desengajamento do estudante da escola”
Reynaldo Fernandes, em estudo sobre as razões do abandono do Ensino Médio
Há 1,7 milhão de jovens fora da escola, o equivalente a 16% dessa faixa etária. Se excluirmos os que já concluíram o Ensino Médio, o percentual de brasileiros de 15 a 17 anos que não estudam cai de 16% para 13%
Nº 5 - fev.2016
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