Adentramos a segunda quinzena de março de 2021 e completamos, assim, um ano de pandemia, um ano de escolas fechadas – parcial ou totalmente. A vacinação contra a Covid-19 foi iniciada e renovou em alguma medida as esperanças de retorno a alguma “normalidade”. Mas uma segunda onda da doença por todo o País frustrou estudantes, pais e educadores que se preparavam para retomada das atividades presenciais em sistema híbrido.

Nesse momento, o cenário é marcado pelas incertezas sobre em que condições crianças e jovens darão continuidade aos estudos neste ano. Para captar um pouco das percepções, avaliações e sentimentos dos gestores de redes públicas de ensino depois de um ano de pandemia, voltamos a conversar com dois deles, entrevistados remotamente pelo Instituto Unibanco em abril do ano passado.

Escola Estadual Ana Costa Teixeira, Itapipoca (CE)

Jhonata Paixão Tabosa, gestor da Escola Estadual Ana Costa Teixeira, em Itapipoca (CE)

Alunos matriculados em 2020: 526

Alunos matriculados em 2021: 548

Regime de ensino atual: remoto

Nessa segunda entrevista ao Instituto Unibanco, o diretor Jhonata Tabosa falou com orgulho sobre como encerraram o ano letivo de 2020:

“Nesse ano tivemos a melhor aprovação, com apenas um aluno que abandonou o processo de ensino e aprendizagem”, comemora.

O dado dá uma mostra do êxito da escola em manter a participação dos alunos nas atividades remotas. Dos 526 matriculados, 85% acessavam as atividades por meio das ferramentas digitais. Whatsapp, Google Sala de Aula e Google Sites (para hospedagem de todas as atividades) compunham o pacote básico.

“No início a gente não diversificou tanto. Nos primeiros meses focamos naquelas ferramentas, mas a gente percebeu o aluno se distanciando, diminuindo a participação dos alunos. Quando começamos a utilizar novas metodologias ativas, a diversificar e implementar novas ferramentas, vimos que isso mexia com a motivação e na interação pedagógica dos alunos com os professores”, relata o diretor.

Por conta disso, mensalmente ele e a equipe repensavam as estratégias utilizadas e buscavam sempre promover novas ações. Google Meet, Instagram, Facebook, Khan Academy foram alguns dos recursos incorporados nas atividades, privilegiando também aqueles que já faziam parte do cotidiano dos jovens.

“O professor por exemplo fazia uso de atividades por meio de uma enquete no Instagram. Criando um círculo de amigos próximos, você pode direcionar a atividade só para uma turma específica. São n possibilidades pedagógicas que a gente foi tentando até descobrir o que alcançava o maior número de alunos possível”, conta.

Os 15% dos alunos que não dispunham de acesso à internet tiveram acesso às atividades impressas. Os materiais eram entregues pelos professores diretores de turma (figura existente na rede estadual cearense que atua como um tutor de um grupo de estudantes) ou com apoio de parceiros da própria comunidade escolar que iam até a casa desses alunos entregar envelopes e blocos de atividades a cada bimestre.

“No final, isso permitiu que eles tivessem algo com o qual pudessem ser avaliados em termos de aprendizagem”, observa.

“É claro que a gente não conseguiu aprofundar conhecimentos propedêuticos. A gente trabalhou dentro de uma orientação curricular da matriz curricular básica, focando em conhecimentos mais elementares para que a gente pudesse em cima disso promover uma avaliação formativa com os nossos alunos e inclusiva no processo de ensino e aprendizagem”, pontua.

Visitas domiciliares também foram feitas em alguns casos para recuperar estudantes prestes a evadir.

Professores que abraçaram a ideia

Jhonata Paixão Tabosa

Na ocasião em que o entrevistamos pela primeira vez, Jhonata destacou a produção de podcasts pelos professores, iniciada por conta da demanda dos estudantes em ouvirem a voz dos docentes. Atualmente, os podcasts não existem mais. Ao longo de 2020, foram sendo substituídos por outras ferramentas, como as videoaulas e as videoconferências via Google Meet. O gestor diz que as gravações em áudio funcionaram também como uma forma de introduzir os professores no uso das tecnologias. “Eles tinham muito medo de aparecer nas câmeras. Não estavam prontos para ser professores ‘youtubers’, produzir videoulas, sendo vistos na sua residência, nesse universo pessoal”, explica.

“Depois que a gente notou que essa resistência foi diminuindo a gente começou a explorar o uso de videoaulas para aqueles professores que tinham mais facilidade. E aqueles que não conseguiam gravar aulas iniciamos o processo de webconferências por meio do google meet, que hoje se tornaram padrão”, complementa.

O diretor avalia que todo esse processo de inovação e renovação pedagógica constante que permitiu manter o engajamento dos alunos só foi possível porque a equipe, de fato, “abraçou a ideia” e a receptividade na incorporação de novas ferramentas sempre foi grande.

“Até aqueles que tinham mais dificuldade pedagógica no uso de tecnologias não mediram esforços”, afirma.

Um outro ponto que contou a favor nesse sentido é o fato de Jhonata ser “apaixonado pelas tecnologias educacionais” e ter especialização nessa área.

“A liderança diante da escola, como diretor, faz com que a gente consiga inspirar os professores a gostar da tecnologia”, pensa.

“A gente já fazia isso timidamente no ensino presencial mas nessa oportunidade a gente conseguiu explorar esse universo”.

Escuta ativa

O sistema de “ouvidoria” que o diretor cearense havia mencionado na entrevista um ano atrás segue ativo. Hoje, os estudantes têm à disposição três tipos de formulários para encaminhar demandas, elogios, sugestões e reclamações à gestão: um relacionado a atendimento da escola em questões administrativas, um segundo referente a questões pedagógicas e um terceiro sobre uso das ferramentas (utilizado para identificar a necessidade de realização de oficinas com os alunos). Também funcionam como espaços de escuta ativa as aulas de formação cidadã dentro do projeto Professor Diretor de Turma e os grupos de whatsapp.

Jhonata conta que a pandemia também reforçou a importância da interlocução com as famílias.

“A gente percebeu que tinha uma arma muito mais poderosa para tentar fortalecer esse diálogo [com os estudantes] e incluir mais ainda, que era fortalecer o diálogo com os pais”.

Por conta disso, foram criados nos grupos no whatsapp com os pais e as reuniões virtuais com eles passaram a ser mais frequentes.

“Os que não tinham acesso à internet mandávamos cartinhas com um “mimo”, um chocolate para estimular o diálogo, mesmo que fosse por recados. A gente conseguiu atender a uma fatia importante, o que nos ajudou a ganhar grandes parceiros”, acredita.

“Quando a gente acionava os alunos que não estavam participando e víamos que ele não correspondia, imediatamente fazíamos contato com os pais e essa resposta era mais significativa”, relata.

José Idelson Escorcio

José Idelson Escorcio – Diretor do Colégio Hesíchia de Sousa Brito, em Piracuruca (PI)

Alunos matriculados em 2020: 1020

Alunos matriculados em 2021: 860

Regime de ensino atual: remoto

No Colégio Hesíchia de Sousa Brito, em Piracuruca (PI), o sentimento da comunidade escolar é de ansiedade pelo retorno das atividades presenciais em sistema híbrido, segundo o diretor  José Idelson Escorcio.

Na entrevista ao Instituto em abril do ano passado, o gestor se mostrava confiante com o ensino remoto. Citou uma pesquisa que tinham realizado junto aos alunos e que constatou que mais de 90% tinham acesso a celular. Afirmou também que a escola já trabalhava a questão da tecnologia com laboratório de informática e aulas em multimídia.

O prolongamento do período de ensino remoto, no entanto, foi o principal adversário da escola no desafio de manter os alunos engajados.

“Nosso índice de aproveitamento no início era de em torno de 80%. Até meados de julho nós ainda tínhamos em torno de 60, 70% de alunos que estavam acessando a plataforma. Depois disso foram regredindo os acessos”, conta.

O gestor faz questão de reconhecer o esforço dos professores em se adaptar a esse novo contexto e se reinventar em um curto período de tempo.

“As aulas eram bem elaboradas, os professores trabalhavam bem, mas o resultado do ensino não era aquilo que nós propúnhamos”, diz.

Busca ativa

Segundo José Idelson, em torno de 200 estudantes matriculados na escola em 2020 não renovaram a matrícula e nem pediram transferência.

“A maior perda dos nossos alunos foi para o trabalho. Isso foi identificado através dos contatos que fazíamos com os alunos. Se ele não tem aquele compromisso de vir para a escola, se sente desocupado e aí vai trabalhar”, analisa.

O colégio atende em grande parte alunos da zona rural.

Para tentar resgatar esses estudantes, foi montada uma equipe que vai até a casa do aluno fazer uma visita e averiguar o que está acontecendo. Ele afirma também que os professores também entram em contato com os alunos que não estão acessando as atividades.

“Nós orientamos que cada professor selecionasse todos os dias 10 alunos para conversar, incentivar, para trazer de volta esse aluno. O próprio professor ligar para os alunos é importantíssimo. O aluno se sente valorizado, reconhecido”.

Enem

Em abril do ano passado, quando a entrevista foi realizada, o gestor tinha como perspectiva a retomada das atividades presenciais a tempo de prepará-los para o Enem, o que não se concretizou. Com isso, toda a programação que a escola realizava anualmente com esse foco – e que fazia com que ela figurasse como campeã de aprovações em instituições que usam a prova como forma de seleção – não pôde acontecer.

“Sempre fizemos muitas ações que motivavam os alunos, plantão de aulas, cursos preparatórios aos sábados, palestras com profissionais, visitas de psicólogos a escola. No fim do ano, toda semana tinha uma ação motivadora da escola para o Enem. Chegou a pandemia, parou tudo”, lamenta.

José Idelson relata que foram realizadas ações na rádio local, nas redes sociais, mas que não surtiram muito efeito. “Não é como o contato direto, o olho no olho”, pensa.

Com isso, 70% dos nossos alunos do 3º ano não foram nem fazer a prova, porque não se sentiram preparados.

Preparação para retomada

O desejo agora é pela retomada das aulas presenciais em sistema híbrido. De acordo com José Idelson, em uma consulta pública realizada junto à comunidade escolar, a maioria dos pais e estudantes manifestou-se favorável a esse retorno. Enquanto isso não é possível, a escola vem se preparando para receber os alunos, professores e funcionários em conformidade com os protocolos sanitários.

Colégio Hesíchia de Sousa Brito

Estão finalizando uma pequena reforma, que inclui pintura, instalação de lavatórios por toda a escola, tapetes sanitizantes e demarcações para os alunos manterem o distanciamento. A equipe também já foi treinada para que um funcionário verifique a temperatura na entrada e higienização das mãos com álcool em gel.

Também foram realizadas algumas ações com o objetivo de sinalizar que a escola está “aberta” à comunidade, cumprindo os protocolos sanitários. Foram feitas reuniões com os alunos matriculados e pais no auditório da cidade e visitas à escola.

“Estamos mostrando a eles um ambiente seguro para que a gente possa retomar as aulas”.

Também foi criado um sistema de plantão com rodízio de professores no período da manhã para tirar dúvidas. A biblioteca já está aberta para aqueles que não tem um espaço adequado para estudar, assim como o laboratório de informática para aqueles que não tem acesso à rede.

“É uma forma de facilitar a vida do aluno. Na escola é feita uma triagem, evitando a aglomeração”, explica.

Apesar da dificuldade da escola em manter a participação dos alunos nas atividades on-line durante o ano passado, o diretor reconhece a importância de desenvolver no jovem a autonomia de estudar nesse sistema.

“Vamos encaminhar um projeto para Secretaria sugerindo que seja oficializado o ensino remoto no currículo. Porque se os nossos alunos tivessem essa habilidade, não teriam tido tantas dificuldades. Vamos sugerir como carga horária complementar”, conta.