Adaptação ao ensino híbrido exige reorganização da gestão e ações pedagógicas
Após cerca de seis meses de atividades não presenciais, parte das redes estão retomando o funcionamento das escolas. Porém, por conta das medidas sanitárias, a diretriz é que elas limitem inicialmente sua capacidade de atendimento, de modo a assegurar o distanciamento social entre alunos, professores e demais profissionais das unidades. Assim, a reabertura parcial e gradual das escolas trouxe à tona a discussão sobre como organizar as ações pedagógicas nesse cenário em que parte dos alunos está em sala de aula e parte está em casa. Que arranjos são possíveis e mais potentes considerando a combinação de momentos presenciais e não presenciais?
Ganha destaque aí o debate sobre ensino híbrido, suas potencialidades e limitações, considerando o contexto das escolas públicas e as condições de acesso às tecnologias tanto por parte dos estudantes e de domínio desses recursos pelos professores.
Em nota técnica sobre o tema, divulgada em julho deste ano, a professora Guiomar Namo de Mello, que integra o Conselho Estadual de Educação de São Paulo, elenca como características dessa abordagem a divisão dos tempos de aprendizagem “entre atividades face a face entre alunos e destes com o professor, para aqueles conteúdos que dependem da interação para melhor aprendizagem” e “a possibilidade de oferecer atividades individualizadas realizadas fora dos tempos e espaços da aula, com apoio de recursos digitais, potencializando o tempo e o espaço disponíveis para o processo de ensino e de aprendizagem”. E destaca “ as premissas das pedagogias ativas” – a aprendizagem personalizada, o respeito aos ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento de atitudes colaborativas – como parte do “DNA” do ensino híbrido.
Aluno no centro
Nesse sentido, o ensino híbrido demanda o uso de metodologias ativas, que são aquelas centradas na participação ativa dos estudantes no processo de aprendizagem. Vale lembrar aí que essa noção do aluno como protagonista na construção de conhecimento não é nova na história da educação, como bem observou a secretária-adjunta da Secretaria de Estado da Educação e Cultura do Rio Grande do Norte, Marcia Gurgel, durante webinário sobre o tema realizado pelo Instituto Unibanco em agosto.
“Nas teorias, já vamos encontrar em Vygotsky toda a discussão de aprender a aprender, a questão das interações, da mediação do professor. O Pierre Levy, na década de 90, quando toda essa discussão iniciou, já nos trazia a necessidade de pensarmos as tecnologias da inteligência, o ensino em rede, a cibercultura, e outras formas de pensar. O Jacques Delors já nos colocava também o desfio de tentar entender o aprender a aprender, a conhecer, a viver junto”.
E complementou: “Ou seja, são temáticas, questões que o próprio ensino híbrido nos trazem e retomam abordagens que vêm historicamente se colocando na perspectiva de superação de um ensino tradicional, de um aluno passivo, de uma aprendizagem mecânica (…), uma inovação que se deve aos pedagogos de visão ampla de longo prazo que só mais de um século depois encontrou, nas tecnologias, o suporte ideal para desenvolver todo o seu potencial”.
Potencializando momentos presenciais e on-line
Embora proponha um enfoque “antigo” no campo da educação, esse pressuposto do aluno como sujeito ativo ajuda a orientar o planejamento de atividades que façam um uso potente dos diferentes momentos.
“Muitas vezes, quando a gente fala de juntar o on-line com o presencial, fica parecendo que o on-line tem esse papel de entregar conteúdos para os alunos quando na verdade o que a gente espera é que o on-line tenha o papel de provocar os alunos para que eles desenvolvam autonomia, protagonismo, o aprender a aprender, a ser, a fazer”, esclarece Lilian.
Ela cita como exemplo de uso “equivocado” do on-line a transmissão de videoaulas ao vivo. Isso porque a presença do professor nesse caso não é essencial, visto que, uma vez gravados, os vídeos podem ser vistos e revistos pelo aluno, na íntegra ou parcialmente, quantas vezes ele julgar necessário. “A partir dessa videoaula ele poderia por exemplo produzir uma pesquisa bibliográfica na própria rede, um mapa conceitual digital a partir do que ele viu, poderia ser estimulado a fazer um projeto. Então, o on-line tem características que vão muito além da transmissão”, salienta. A coleta de informações personalizadas sobre cada aluno, a partir das atividades realizadas por ele, sinalizando que pontos ele apreendeu mais e outros em que ele apresentou mais dúvidas, é um outro uso que pode ser feito pelo professor para a customização do que é proposto a cada estudante e para o planejamento dos momentos presenciais.
Educação híbrida
No contexto da pandemia, os professores precisaram, de uma hora para a outra, repensar seu fazer profissional e incorporar o uso de recursos digitais para dar conta do ensino remoto. Assim, se viram diante do duplo desafio de apropriação das ferramentas e de adoção de novas práticas pedagógicas. “A gente teve esse ensino remoto emergencial em que conviveram propostas mais tradicionais e propostas mais vinculadas a esse processo educativo centrado no aluno. Vamos entrar em um segundo momento, que é híbrido, porque vamos misturar esse ensino remoto emergencial e o ensino presencial parcial”, observa a coordenadora de Soluções com Tecnologia do Instituto Unibanco, Jane Reolo.
Como o ensino híbrido envolve necessariamente a utilização de recursos digitais, a realidade socioeconômica dos alunos das escolas públicas bem como a ausência de internet e computadores para os estudantes de forma disseminada em todas as redes inviabiliza a concretização da proposta de ensino híbrido em sua essência. Porém, para este cenário atual, tem se trabalhado com a ideia de educação híbrida. “Quando a gente fala em educação híbrida não estamos falando em misturar o presencial com a distância. A gente está falando em misturar metodologias que possibilitem um papel ativo do estudante mediadas por tecnologia ou não”, afirma Jane.
Na Nota Técnica mencionada acima, a professora Guiomar pontua que: “O professor que domina o conteúdo a ser ensinado, é criativo, flexível, atento à diversidade dos alunos, disposto a compartilhar com eles a autoria das aprendizagens, adotará procedimentos das pedagogias ativas com ou sem tecnologia. Nesse sentido é um praticante do ensino híbrido”.
Espírito Santo
No Espírito Santo, o uso das metodologias ativas ganhou força durante esse período de ensino remoto e se consolidou como uma diretriz da rede (Pedagogia de projetos para os anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio e aprendizagem por investigação para os anos iniciais). Para a assessora especial de Tecnologia Educacional da Secretaria Estadual de Educação do Espírito Santo, Carmen Prata, o estímulo a essa abordagem por conta da implantação de laboratórios móveis de informática (carrinhos equipados com 40 notebooks) e a oferta do Google Sala de Aula antes do advento da pandemia contribuiu para isso. “Já existia esse início de cultura, com alguns professores despontando com práticas inovadoras”.
A Secretaria de Educação também já contava com um curso EaD de 80 horas sobre ensino híbrido e metodologias ativas, “bastante ‘mão na massa’”. Com a pandemia, foi lançado ainda um curso de produção de videoaulas e animações. “Teve uma adesão imensa. Todo mundo começou a criar canais no youtube”, conta Carmen. Em paralelo, a Secretaria iniciou uma sequência de lives metodológicas para os professores.
O Google Sala de Aula foi instituído para toda a rede, mas a elaboração das atividades ficou a cargo dos professores como uma forma de engajá-los. “Eles tiveram que pensar em atividades que estivessem adequadas à realidade daqueles alunos, pensar a forma como os alunos estavam acessando e conectando, teve toda uma orientação pedagógica de como eles poderiam pensar as atividades considerando que na mesma turma eles tinham alunos que acessavam pelo computador, com wifi, nas condições ideais, e outros alunos que acessariam pelo aplicativo patrocinado e com limitações de acesso. Eles tiveram que ir se adequando a isso”, conta.
Diante dos diferentes contextos existentes na rede, Carmen acredita que cada escola encontrará caminhos para lidar com esse novo cenário. “Cada escola vai pensar em arranjos diferenciados. Vamos no futuro poder mapear diferentes formas de praticar o ensino híbrido”, pensa.
Piauí
Na rede estadual do Piauí, o uso de metodologias ativas pelos professores também foi bastante incentivado nas formações para professores como forma de estimular o engajamento e a autonomia dos alunos no ensino remoto, conforme contamos nessa matéria.
Agora com a retomada das aulas presenciais, a Secretaria organizou formações para os professores com foco na adaptação do planejamento para o ensino híbrido. “Estamos utilizando esse termo porque híbrido significa mescla, mistura e estamos misturando o presencial e on-line. Por isso, a gente traz esse nome, mas é uma aproximação”, afirma a formadora da Seduc-PI, Márcia Damasceno.
“Trouxemos o conceito de ensino híbrido, os modelos, e abordamos essa aproximação, essa adequação de planejamento. Trouxemos modelos de aula invertida, sugestões, e as orientações da rede para esse momento de retorno presencial, como deveriam ser os planos de aula e planos de ação das escolas. Tivemos momentos teóricos de como a gente trabalha nessa perspectiva do ensino híbrido e depois como trabalhar na prática, com modelos de plano, apresentando como o professor pode pesquisar, usar a tecnologia, trabalhar com os alunos que não têm acesso à tecnologia”, relata
SAIBA MAIS:
Nota Técnica sobre ensino híbrido – Guiomar Namo de Mello: http://www.apedu.org.br/site/2020/08/12/nota-tecnica-sobre-ensino-hibrido-professora-guiomar-namo-de-mello/
Webinário Gestores Debatem os Desafios do Ensino Híbrido
Gestores debatem os desafios do ensino híbrido em webinário realizado pelo Instituto Unibanco