Como as redes têm avaliado os estudantes durante o ensino remoto
O ensino remoto mudou por completo o funcionamento das escolas e, à medida que se prolonga o período sem aulas presenciais, cresce também o debate sobre como as redes devem avaliar os alunos. Para ajudar os gestores em face da nova realidade, o Instituto Unibanco ouviu especialistas e procurou saber como diferentes redes de ensino estão lidando com o tema.
O ponto de partida é a constatação de que o ensino remoto está longe de atingir todos os estudantes, apesar da adoção de estratégias distintas, como TV aberta, rádio, plataformas on-line, aplicativos para celular e distribuição de material impresso. Assim, alunos que não conseguem acessar as aulas remotas ou que enfrentam dificuldades para isso não deveriam ser duplamente penalizados, isto é, ficar sem estudar e ser reprovados.
Entre educadores, há o consenso de que as redes de ensino deverão realizar um gigantesco esforço de recuperação, tão logo as aulas presenciais sejam retomadas − o que tende a ocorrer de maneira escalonada, em formato híbrido que poderá mesclar momentos na escola e outros de ensino remoto. O primeiro passo será uma avaliação diagnóstica para indicar os níveis de aprendizagem dos estudantes e orientar a atuação das redes.
Até lá, porém, as atividades a distância continuarão sendo a saída emergencial para milhões de alunos em todo o país. E seus professores seguirão enfrentando o desafio de avaliar os estudantes remotamente, seja para obter um mínimo de feedback para reorientar o trabalho pedagógico ou até mesmo, em alguns casos, para atribuir notas.
Avaliação processual
A rede pública do Distrito Federal, primeira do país a suspender as aulas presenciais, começará avaliar os estudantes. Nos últimos três meses, a Secretaria de Educação disponibilizou videoaulas por canais de TV aberta e por plataforma on-line, além de distribuir material impresso para alunos sem conexão à internet. Mas as atividades não estavam sendo contabilizadas como dias letivos, pois tinham o objetivo somente manter o vínculo dos estudantes com a escola.
O Distrito Federal optou pela volta às aulas em formato remoto, com avaliação e controle de frequência, a partir do próximo dia 29 de junho. O coordenador pedagógico do Programa Escola em Casa DF, David Nogueira, explica que os alunos terão tarefas para cumprir. A entrega dessas tarefas, por meio eletrônico ou fisicamente nas escolas, servirá para atestar a presença e para que os professores avaliem os alunos.
“Há anos tem o debate de que a avaliação deve ser processual, sem que se consiga avançar. Agora, se a avaliação não for processual, não fará sentido. É o momento, então, de repensarmos nossas práticas”, diz Nogueira.
Ele destaca que o ensino remoto exige mudanças na forma como os professores testam os conhecimentos da turma. “A avaliação precisa ser mais inteligente, porque o aluno está num ambiente em que as respostas podem estar todas ali”, afirma o coordenador, referindo-se ao fato de que basta uma pesquisa no Google para que o estudante encontre a resposta.
A consultora Julci Rocha considera que a principal função da avaliação é mostrar ao professor o quanto seus alunos estão aprendendo e, por conseguinte, o que precisa ser melhorado. “Quando falamos de avaliação, o que fazemos é acompanhar o desenvolvimento do estudante, com o objetivo de tomar decisões pedagógicas sobre as próximas etapas”, diz ela, que é diretora da Redesenho Educacional, assessoria de formação professores e gestores com foco em inovação pedagógica e tecnologias.
Os professores, de acordo com a consultora, precisam ter clareza das competências e habilidades que desejam desenvolver ao longo das aulas. Afinal, a avaliação deverá evidenciar justamente se tais competências e habilidades foram atingidas. É recomendável que as avaliações sejam mais frequentes, por meio de atividades variadas que cubram o passo a passo do estudante na construção do conhecimento.
Prioridade
As estratégias adotadas pelas redes foram bastante distintas. Na rede estadual de São Paulo, que oferece ensino remoto desde 27 de abril, as notas referentes ao primeiro bimestre já foram lançadas. Elas são resultado da avaliação conduzida pelos professores com aqueles estudantes que estão conseguindo não só acompanhar as atividades remotas, mas também enviar exercícios e atividades semanais.
O subsecretário de Articulação Regional, Henrique Pimentel, explica que a entrega das atividades é a principal forma de avaliação. Funciona assim: os professores passam tarefas e definem prazos, com base nos conteúdos das aulas transmitidas pelo Centro de Mídias da Educação de São Paulo. As entregas ocorrem preferencialmente on-line, mas podem ser feitas também nas escolas.
Pimentel lembra que a rede paulista tem 3,5 milhões de estudantes e que as aulas geradas a partir do Centro de Mídias são transmitidas para todo o estado pela TV, pela internet e por um aplicativo de celular. Quem avalia o desempenho, no entanto, são os professores da escola onde o aluno está matriculado.
Nas turmas cujos professores conseguiram estabelecer uma rotina de atividades, nada impede que a avaliação vá além da entrega semanal. A comunicação costuma se dar, nesses casos, por WhatsApp ou por e-mail, e pode envolver outros tipos de trabalho, inclusive provas convencionais.
Pimentel enfatiza o compromisso da rede paulista, tanto com os alunos que não estão conseguindo acessar as aulas remotas quanto com aqueles que assistem às aulas − pela TV, por exemplo −, mas não têm como enviar as tarefas semanais para os professores. Esses estudantes, segundo o subsecretário, ficarão com as notas em aberto e terão a oportunidade de retomar os estudos, quando as aulas presenciais foram reiniciadas.
O subsecretário salienta também que objetivo é criar condições para que todos os estudantes possam aprender os conteúdos previstos e recuperar o tempo longe da escola. Segundo ele, não há definição quanto aos critérios de reprovação no ano letivo de 2020. “Está em aberto, é muito cedo para falar nisso. Nosso foco é garantir que ninguém fique para trás, seja agora ou no retorno presencial”, diz Pimentel. “Se o estudante não tem celular, se mora na zona rural ou se não consegue uma forma de se comunicar com o professor, cabe a nós recuperar: a ideia é focar mais na recuperação da aprendizagem do que na reprovação.”
Pimentel afirma que todos os estudantes da rede paulista serão submetidos a uma avaliação diagnóstica, por ocasião das reabertura das escolas, seguida de aulas de reforço. A duração desse período de recuperação deverá variar, conforme a necessidade dos alunos. Assim, a ideia é que estudantes aprovados no período do ensino remoto tenham menos aulas de recuperação. “Vai ter para todos, é um programa extenso que pode se alongar para o próximo ano letivo. Mas a intensidade desse acompanhamento deverá ser diferente.”
Ciclo único
No Maranhão, a rede estadual optou por deixar a avaliação para depois da retomada das aulas presenciais. A superintendente de Informação e Avaliação do Desempenho Educacional, Marcia Thais Pereira, afirma que a decisão levou em conta as disparidades de acesso ao ensino remoto. “Neste momento, nossa prioridade é manter os alunos ligados à escola”, disse Marcia.
Aos professores, foi dada autonomia para que utilizem as ferramentas tecnológicas a que têm acesso. Quando as escolas maranhenses forem reabertas, está programada uma avaliação diagnóstica do 2º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, envolvendo as escolas estaduais e as municipais.
Os resultados servirão de base para continuidade do ano letivo. Uma das possibilidades, ainda em estudo, é transformar os anos letivos de 2020 e 2021 em um ciclo único, o que daria mais tempo para a recuperação do período sem aulas presenciais.
No Amazonas, a Secretaria da Educação informa que também vai realizar uma avaliação diagnóstica na volta das aulas presenciais. “A avaliação vai nos ajudar a definir as estratégias pedagógicas”, disse o secretário de Educação do Amazonas, Luis Fabian Barbosa, em declaração divulgada pela assessoria de comunicação. “Identificando onde houve falha e o que é preciso corrigir, nós vamos poder decidir qual a melhor maneira de intervir e assim garantir que não vamos ter prejuízos irreversíveis no aprendizado.”
As notas do período remoto, contudo, serão consideradas no resultado final dos estudantes. “Tudo o que o aluno tiver feito no período de suspensão das aulas será aproveitado na análise do seu desempenho”, concluiu ele.