Como promover o letramento em dados na educação?
Na definição de Ellen Mandinach e Edith Gummer (2013), data literacy ou letramento em dados seria a “capacidade de compreender e usar dados de forma eficaz para subsidiar decisões. É composto por um conjunto de habilidades específicas e uma base de conhecimento que permitem transformar dados em informações e, finalmente, em conhecimento acionável” (2013, p.30). O que seria então o letramento em dados na educação? De acordo com a organização sem fins lucrativos The Data Quality Campaign (DQC), educadores que são letrados em dados “acessam, interpretam, agem e comunicam vários tipos de dados – do estado, locais, da sala de aula e outras fontes – para melhorar os resultados dos alunos”.
Letramento em dados vs Letramento em avaliação
Jessa Henderson e Michael Corry realizaram uma revisão da literatura com 28 artigos sobre letramento em dados e educação publicados de 2010 a 2018, a fim de obter uma melhor compreensão do estado atual da pesquisa sobre letramento em dados. Foram utilizadas as bases de dados ERIC, Education Source e JSTOR. Os estudos, realizados na América do Norte, Oceania e Europa, evidenciaram que o conceito de letramento em dados se tornou mais concreto, mas ainda há discordância sobre o mesmo. O conceito que causa mais confusão com o de letramento em dados é o de letramento em avaliação.
Esse último significa “dados, conhecimentos, habilidades e usos de avaliações tradicionais ou padronizadas” (MANDINACH; GUMMER, 2013). De maneira mais específica, Stiggins afirma que ser letrado em avaliação: “é ter uma compreensão básica do que é uma avaliação de alta e baixa qualidade e ser capaz de aplicar esse conhecimento a várias mensurações do rendimento do aluno. Aqueles que são letrados em avaliação fazem duas perguntas-chave sobre todas as avaliações do rendimento do aluno: O que essa avaliação diz aos alunos sobre os resultados de rendimento que valorizamos? E qual é o provável efeito dessa avaliação nos alunos? Os letrados em avaliação buscam e usam avaliações que transmitem definições ricas, específicas e claras do rendimento que é valorizado (STIGGINS, 1991, p. 535)“.
O letramento em avaliação é apenas uma parte do letramento em dados. Como há confusão entre os termos, o treinamento voltado para letramento em dados acaba estando mais focado em letramento em avaliação, de acordo com os pesquisadores.
Recomendações para uma cultura de dados nas escolas
A DQC defende que todo adulto que trabalha com estudantes precisa de informações úteis e oportunas para apoiar o aprendizado. Ou seja, deve ter os dados certos, no formato certo, na hora certa para tomar decisões para que os alunos se destaquem. Para tanto, a organização traz quatro recomendações para formuladores de políticas públicas a fim de que os dados sejam usados para impacto positivo nos estudantes:
Medir o que importa
De maneira geral, os dados são vistos de maneira negativa – usados para punir professores e não para apoiar a aprendizagem dos estudantes. Por isso, é recomendável ser específico sobre o que os alunos devem alcançar e ter os dados para garantir que todos os alunos estejam no caminho certo para o sucesso. Além disso, os sistemas de dados e indicadores devem estar alinhados com as políticas públicas e com questões práticas para tornar os dados relevantes para todos com interesse na educação.
Tornar o uso dos dados possível
Forneça aos professores e diretores a flexibilidade, o treinamento e o suporte de que precisam. Não são muitos os professores que usam dados porque eles não recebem treinamento ou ferramentas para tal.
Ser transparente e ganhar confiança
Certifique-se de que cada comunidade entenda como suas escolas e alunos estão indo, porque os dados são valiosos e como eles são protegidos e usados. Uma comunicação clara e constante sobre os dados dará ao público compreensão e confiança.
Garantir o acesso e a proteção à privacidade
Forneça aos professores e familiares informações oportunas sobre os estudantes e certifique-se de mantê-las seguras. As políticas de privacidade devem evoluir conforme a tecnologia evolui.
Em artigo, pesquisadores das universidades Montana State University e Eastern Washington University (GREEN et al., 2016) avaliaram, por meio de seminários de treinamento e pesquisa posterior com professores e administradores, que a maioria dos distritos escolares americanos não tem uma visão clara de como os dados de desempenho dos alunos são usados para melhorar o ensino. Além disso, poucos educadores têm treinamento em letramento de dados e tomada de decisão baseada em dados (DDDM, data driven decision making, em inglês).
Os autores oferecem recomendações para treinamento relacionado ao letramento em dados e tomada de decisão baseada em dados nas escolas e nos distritos escolares. Destacamos algumas: (1) criar uma abordagem de treinamento em equipe e não individual, o que estimula a troca de experiências e a colaboração; (2) permitir a flexibilidade para adaptar o conteúdo às necessidades dos participantes, por meio de discussões abertas e avaliações constantes; (3) garantir o compromisso da participação da liderança escolar; (4) proporcionar a interação entre professores que realizaram o treinamento e professores em formação, para promover a cultura de dados desde o início.
Henderson e Corry também trazem recomendações para melhorar o letramento em dados para educadores: (1) criar programas de preparação para educadores focados nas habilidades em dados, (2) incentivar oportunidades de colaboração, (3) modelar e encorajar o uso de dados, tanto de fontes quantitativas quanto qualitativas e (4) investigar o papel da tecnologia e do big data no letramento de dados.
Saiba mais:
Confira o vídeo da DQC sobre como usar os dados para melhorar os resultados dos alunos (em inglês; caso prefira, seleciona legendas automáticas em português).
Referências:
GREEN, Jennifer L.; SCHMITT-WILSON, Sarah; VERSLAND, Tena M. Teachers and data literacy: A blueprint for professional development to foster data driven decision making. Journal of Continuing Education and Professional Development, v. 3, n. 1, p. 14-32, 2016. Disponível em: https://scholarworks.montana.edu/xmlui/handle/1/14442 Acesso em 1/2/21.
HENDERSON, Jessa; CORRY, Michael. Data literacy training and use for educational professionals. Journal of Research in Innovative Teaching & Learning, 2020. Disponível em https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JRIT-11-2019-0074/full/html . Acesso em 1/2/21.
MANDINACH, E. B.; GUMMER, E. S.. A systemic view of implementing data literacy in educator preparation. Educational Researcher, 42(1), 30-37, 2013. Disponível em http://dx.doi.org/10.3102/0013189X12459803 Acesso em 1/2/21.
SILVA, Luciano. Tomada de decisão baseada em dados (DDDM) e aplicações em informática em educação. Jornada de Atualização em Informática na Educação, v. 4, n. 1, p. 21-46, 2015. Disponível em https://www.br-ie.org/pub/index.php/pie/article/view/3550/2936 . Acesso em 4/2/21.
STIGGINS, Rick. Assessment literacy. Phi Delta Kappan, v.72, p. 534-539, 1991.
GLOSSÁRIO DE CIÊNCIA DE DADOS E INTELIGÊNCIA GEOGRÁFICA
ENTENDA MELHOR OS TEMAS QUE ESTÃO RELACIONADOS A ESSE CONTEÚDO.
Letramento em dados: Segundo o guia Developing a Data Literate Workforce, da Qlick, refere-se à habilidade de ler, trabalhar, analisar e se comunicar com dados, independentemente da função, habilidade, nível, ou ferramentas de BI que usa. O letramento em dados aprimora a tomada de decisão, possibilitando fazer as perguntas certas sobre os dados e interpreta-los de modo a tê-los como base para as ações.
Data Driven Decision Making (DDDM): em português, a tomada de decisão baseada em dados é definida como o uso de fatos, métricas e dados para orientar as decisões de estratégicas que se alinham com suas metas, objetivos e iniciativas. Segundo Luciano Silva, trata-se de uma abordagem de governança de dados que estabelece um fluxo de aquisição, análise e comunicação de dados para suportar processos decisórios. Já tem sido aplicada no ambiente corporativo e posteriormente começou a despertar interesse no segmento educacional.