Dia da Visibilidade Trans: uma escola para todas e todos
O dia 29 de janeiro é o Dia da Visibilidade Trans, data que marca a luta das pessoas travestis e transexuais pela garantia de seus direitos e cidadania. A agenda foi instituída pelo Ministério da Saúde em 2002 com o lançamento da campanha Travesti e Respeito do Programa Nacional de DST/Aids.
O Brasil é o país que mais mata travestis e transsexuais no mundo, como aponta o levantamento de 2020 do Trans Murder Monitoring. A expectativa de vida no Brasil é, em média, de 75 anos, de acordo com os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Entretanto, para uma pessoa trans, essa expectativa é de apenas 35 anos, segundo a União Nacional LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transsexuais).
Quando as pessoas trans e travestis conseguem viver, há ainda as dificuldades para sobreviver: essas populações estão na parcela em maior vulnerabilidade no país.
O Relatório da violência homofóbica no Brasil, lançado em 2016 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), mostra que a falta de oportunidades faz com que essa população tenha muitas vezes na prostituição sua única opção de sobrevivência. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% das pessoas trans recorrem a essa atividade ao menos em algum momento da vida.
Cerca de 70% das pessoas trans e travestis não concluíram o ensino médio e apenas 0,02% dessa população teve acesso ensino superior, ainda segundo informações da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).
O debate sobre diversidade sexual na escola é constantemente alvo de críticas. Um exemplo disso foi a recente da polêmica se deu em torno da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), documento que na sua versão final excluiu termos como “gênero” e “orientação sexual”. O Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado em 2014, traz a discussão sobre a importância de abordar a pluralidade de gêneros e a diversidade sexual, mas ainda é alvo de disputas.
Vale ressaltar que a inclusão desses temas no currículo escolar está respaldada pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) que define e regulariza a organização da educação brasileira com base nos princípios presentes na Constituição.
O fomento e o respeito à diversidade são desafios atuais e imediatos que a gestão escolar deve enfrentar. Superar estereótipos e preconceitos é um caminho para o acolhimento de toda a comunidade escolar, pois o diálogo aliado a esforços conjuntos pode transformar o ambiente escolar. A construção de uma cultura de respeito à diversidade sexual na escola tem a ver não só com a construção de um ambiente escolar acolhedor para todas e todos, mas também com o compromisso da gestão com o direito à aprendizagem e a equidade.
Confira as entrevistas com o professor Dioniso Ferreira e com a aluna Laila Bárbara Galdino Ferreira sobre suas vivências:
Dioniso Ferreira, 40 anos, professor substituto de Língua Portuguesa da rede municipal de Fortaleza
Como é ser um professor trans? Você tem seu nome social respeitado? Sente que a comunidade escolar te acolhe?
Não tenho nome social, já retifiquei. Antes disso, não havia nada oficial sobre nome social para professores quando ingressei na rede (somente para alunos). Foram dois anos de luta e muito constrangimento sofrido para que ampliassem o direito a professores e funcionário. Cada vez que mudava de escola, precisava explicar a situação e nem sempre entendiam. O acúmulo de estresse durante esse tempo me fez desenvolver Síndrome de Burnout. Sofri pouca discriminação por parte de alunos, apenas um caso isolado de ameaça de morte por um aluno do EJA, mas tive problemas com colegas e gestores. Pensei que isso terminaria ao retificar meu nome, mas sempre que alguém das escolas descobre que sou trans, enfrento problemas.
A transfobia já te fez pensar em desistir de trabalhar com educação?
Sim, várias vezes. Mas como tentei outras áreas e percebi que o problema se repetia, vi que a questão não era a área, mas a transfobia de toda a sociedade.
Como a questão da diversidade sexual é tratada na sua escola? Como são tratados os casos de bullying relacionados à questão de gênero? Estão previstos no regimento escolar procedimentos de como professores/funcionários devem atuar nesses casos?
A rede pública de Fortaleza possui regimentos próprios para lidar com essas questões, porém não há formação específica nem para docentes, nem para gestores e funcionários. Não raro a direção da escola faz vista grossa ou até mesmo é conivente com essas situações. Os gestores aplicam suas crenças pessoais no trabalho, ferindo os direitos coletivos e transformando as escolas em extensões de suas comunidades religiosas
Como você acha que a questão da transfobia deve ser trabalhada na escola? Quais são os caminhos para esse enfrentamento?
Acho que deveria fazer parte do currículo escolar, tanto na área de ciências quanto de maneira interdisciplinar. Infelizmente não vejo isso se concretizando a curto prazo, uma vez que estamos em uma época de avanço do conservadorismo. Nunca fui apoiado pela gestão em nenhuma escola. Algumas por nem sequer me sentir à vontade para me assumir, outras por ver o preconceito mal disfarçado ao lidar com a minha recepção nas escolas.
Que mensagem você deixaria para as pessoas nesse Dia da Visibilidade Trans?
Nós somos, antes de tudo, pessoas. Ser trans é só um detalhe, isso não deveria interferir em nossas vidas mais do que a luta que temos com nossas características físicas. Pessoas trans não querem “transformar” outras pessoas em trans, o que queremos é que nos respeitem e nos aceitem como parte da diversidade humana. A sociedade padronizou os corpos, instituindo que só existiram dois tipos possíveis, mas na própria natureza há uma variedade bem maior do que essa (vide os intersexuais). Tudo o que queremos é sermos reconhecidos e respeitados, independentemente das nossas diferenças. E para isso precisamos que a sociedade nos inclua, nos proteja (pois somos alvo constante de violências e violações de direitos) e nos ouça. Precisamos ter essa visibilidade que comemoramos neste dia, mas que ainda segue sendo apenas simbólica. Ações como está matéria são importantes para isso, e espero que se multipliquem em muitas outras.
Laila Bárbara Galdino Ferreira, 17 anos, estudante da rede municipal de Fortaleza
Como é ser uma aluna trans? Você tem seu nome social respeitado? Sente que a comunidade escolar te acolhe?
Sim a grande maioria. Digamos que não é fácil ser uma aluna trans para viver em sociedade, muitos olham para a gente com olhar de maldade, mas em meio as dificuldades e as críticas, a cada dia vou me esforçando para saber lidar com tudo isso.
A transfobia já te fez pensar em abandonar a escola?
Sim, na minha antiga escola sofria muito e pensei muito em abandonar a escola, mas com a ajuda de familiares e amigos nunca desisti. Uma vez falei que meu nome social é Bárbara, mas um professor continuou me chamando pelo nome de batismo e eu fiquei muito mal.
Como a questão da diversidade sexual é tratada na sua escola? Como são tratados os casos de bullying relacionados à questão de gênero?
De forma muito normal porque tem várias pessoas que se identificam como LGBTQs, então já se tornou comum na minha escola. Quando ocorre isso a gente vai na diretoria e eles tomam suas devidas providências, chamando os pais da vítima e do agressor.
E em relação ao currículo, o tema é tratado também em sala de aula?
Sim, em conversa com professores e alunos. A educação pode superar a transfobia porque é na escola que os alunos começam a ter visão sobre o futuro, então eles vão aprender que homofobia e transfobia são crimes e mesmo que não fossem, que eles não devem tratar nenhuma pessoa de forma violenta.
Como você acha que a questão da transfobia deve ser trabalhada na escola? Quais são os caminhos para esse enfrentamento? Qual o papel do diretor nesse sentido?
Deve ser trabalhada através de palestras. Devemos comentar com a gestão da escola para que eles abracem a ideia.
Que mensagem você deixaria para as pessoas nesse Dia da Visibilidade Trans?
Se aceitem como vocês gostam de ser, não liguem para opiniões negativas, mas sim construtivas. Nós todas somos fortes e maravilhosas, terceiros nunca vão entender como é ser assim, vamos conseguir e passar por essa onda de preconceito, sermos livres para viver do jeito que queremos!