Reabertura das escolas: o que podemos aprender com os erros e acertos de outros países
A reabertura de escolas em diferentes países, nos últimos meses, produziu evidências que apontam caminhos a ser seguidos pelos gestores escolares e educacionais no Brasil. Em busca de erros e acertos nessas experiências internacionais, o Instituto Unibanco reuniu algumas das principais informações já publicadas na imprensa e em periódicos científicos ou especializados em educação.
No norte da Europa, países como Dinamarca e Finlândia retomaram as aulas presenciais em abril. Os protocolos de segurança sanitária previram ações para assegurar o distanciamento entre estudantes, pais e professores, o que incluiu a redução do tamanho das turmas, além de redobrados cuidados com a higiene.
Um relatório do Instituto Brookings, think tank localizado nos Estados Unidos, destacou que as turmas de alunos na Dinamarca, que costumavam ter cerca de 20 estudantes antes da Covid-19, foram divididas em dois ou até mesmo três grupos. A orientação repassada aos professores foi de que as aulas, sempre que possível, ocorressem fora das salas de aula, em ambientes externos − uma vez que o confinamento em locais fechados favorece a transmissão do novo coronavírus.
Para lidar com essa nova realidade, o governo dinamarquês tomou as seguintes providências: de um lado, pediu apoio às famílias, especificamente àquelas em que pai ou mãe não trabalham, para que mantivessem os filhos em casa, a fim de reduzir o número de alunos nas escolas; de outro, restringiu o acesso a parques no horário escolar, de maneira a garantir o uso desses espaços pelos estudantes. Outras instalações também foram destinadas a atividades escolares, como hotéis, bancos, centros de convenções, museus e bibliotecas.
O relatório chama atenção para o fato de que a divisão de turmas elevou a carga de trabalho dos profissionais da educação. A Associação de Professores de Copenhague, capital da Dinamarca, expressou preocupação com a nova realidade. A ‘criação’ de turmas também se deparou com a escassez de profissionais.
Medidas adotadas na Dinamarca constam em protocolos de biossegurança já divulgados ou colocados em prática no Brasil. É o caso da distância de 2 metros entre os alunos nas salas de aula e do escalonamento dos horários de entrada e saída, a fim de evitar aglomerações de pais e crianças nos locais de acesso. De acordo com o relatório, as escolas dinamarquesas também determinaram aos estudantes que lavem as mãos a cada duas horas. Equipamentos e materiais escolares passaram a ser limpos duas vezes por dia.
Voluntário vs. obrigatório
A experiência internacional revela que não há consenso quanto à faixa etária que deve ser priorizada no retorno às aulas presenciais. A reabertura das escolas na Dinamarca e na Finlândia, por exemplo, começou pela educação infantil − etapa em que os pais de alunos dependem majoritariamente das instituições de ensino para ter com quem deixar os filhos e poder trabalhar. Na Coreia do Sul e em Israel, contudo, ocorreu o inverso: a reabertura teve início no Ensino Médio.
Outra questão não consensual é a prerrogativa de cada família decidir se os filhos retornarão ou não às aulas presenciais. Na Dinamarca, o governo abriu essa possibilidade. Assim, famílias que não se sentiam seguras para enviar os filhos de volta às escolas puderam mantê-los em casa, com a condição de que continuassem estudando por meio do ensino remoto. Na Finlândia, ao contrário, a reabertura das escolas implicou a suspensão do ensino remoto. Assim, para que um estudante finlandês fosse liberado das aulas presenciais e pudesse completar o ano letivo, tornou-se necessária uma autorização especial.
No fim de junho, o Instituto Brookings realizou um webinário com a participação da ministra da Educação da Finlândia, Li Andersson. Ela falou sobre a centralidade da educação na sociedade finlandesa, como motor de seu desenvolvimento. E citou um conjunto de medidas de apoio à infância lançadas pelo governo, com foco no financiamento das escolas municipais para assegurar aulas adicionais de recuperação da aprendizagem na reabertura das escolas.
De acordo com o Brookings, Li Andersson defendeu a necessidade de que o conjunto de ações não durasse apenas um ano, mas se estendesse ao longo da próxima década. Tudo para apoiar o desenvolvimento das crianças cuja educação foi afetada pela pandemia.
Coreia do Sul
A prestigiada revista científica britânica Nature publicou artigo em 18 de agosto, citando a Coreia do Sul como exemplo de que é possível retomar as aulas presenciais com segurança. O texto destaca a importância de procedimentos como usar máscaras, reduzir o tamanho das turmas e higienizar ambientes. Registra também que os alunos sul-coreanos agora almoçam em silêncio, separados dos colegas por telas de plástico, e têm a temperatura do corpo medida duas vezes ao dia: antes de sair de casa e ao chegar à escola.
Mas o fator-chave para que a retomada não dê origem a novas ondas de transmissão, conforme o artigo, está fora das escolas: a existência de baixos índices de transmissão do novo coronavírus nas respectivas comunidades. Em maio, quando as crianças sul-coreanas retornaram às escolas, o número de novos infectados no país já havia caído para menos de 50 por dia, o equivalente a cerca de um novo caso para cada milhão de habitantes.
“Se as escolas são reabertas em áreas com altos níveis de transmissão comunitária, surtos são inevitáveis e mortes ocorrerão na comunidade como resultado disso”, disse à Nature a epidemiologista Zoë Hyde, da Universidade da Austrália Ocidental (University of Western Australia), em Perth.
O artigo faz referência a um estudo, ainda sem revisão de especialistas, que concluiu não ter havido elevação súbita do número de casos de Covid-19 após a reabertura das escolas, em Seul. O mesmo vale para países da Europa que retomaram as aulas presenciais em maio, segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças.
O texto da Nature cita ainda dados do governo sul-coreano segundo os quais apenas uma das 111 crianças que testaram positivo para Covid-19, entre maio e julho, teria sido infectada numa escola.
“A mensagem principal é que, com as políticas certas, podemos controlar a transmissão nas escolas em um ambiente de baixa transmissão na comunidade”, disse à Nature a pediatra e epidemiologista Young June Choe, da Universidade Hallym, em Chuncheon, na Coreia do Sul. “Não existe uma receita especial que torne a Coreia única.”
Uruguai
Na América do Sul, especialistas consideram que o Uruguai está na direção certa no que diz respeito à retomada das aulas presenciais. Reportagem do portal da BBC News antecipou trechos de um relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que elogia a estratégia uruguaia.
Um dos pontos destacados foi o plano escalonado de voltas às aulas, que começou pelas escolas rurais, em 22 de abril. A retomada em áreas de baixa densidade populacional serviu como piloto para a reabertura generalizada − que começou em junho, incorporando diferentes etapas da educação básica a cada 15 dias.
Outra medida tomada pelo governo do Uruguai foi o caráter voluntário do retorno, permitindo que as famílias dessem a palavra final. O país tem um avançado modelo de ensino remoto, também apontado como uma das razões para que as escolas lidassem melhor com a pandemia e conseguissem manter o vínculo com grande parte dos estudantes.
“O comparecimento é voluntário, para que a família ou se sinta segura ou não mande seus filhos para um centro educacional”, disse à BBC Leandro Folgar, presidente do chamado Plano Ceibal, iniciativa do governo uruguaio para universalizar o acesso a computadores na rede de ensino, na década passada. “Alguns não levam os filhos [para a escola] porque não confiam ou têm receio, outros porque não têm como se organizar para pegá-los e trazê-los.”
O relatório do Unicef − intitulado ‘Acompanhamento do retorno às aulas presenciais em escolas do Uruguai’ − afirma que o caráter voluntário “parece ter amortecido os medos e possibilitado um período de adaptação que permitiu às famílias ganhar confiança”. A reportagem lembra que a Suécia, país que manteve escolas abertas durante toda a pandemia, não abriu mão da obrigatoriedade da frequência. No Uruguai, informa a BBC News, o primeiro balanço divulgado pelo governo, em julho, mostrou que mais de 70% dos estudantes do Ensino Médio haviam regressado, ante 63% no Ensino Fundamental e mais de 60% nas escolas rurais.
EUA e Israel
A Nature relata que um acampamento de estudantes na Georgia, nos Estados Unidos, em junho, deu origem a mais de 200 novos casos da Covid-19. Nada menos que três quartos dos 344 participantes testaram positivo para a doença, depois de passarem dias interagindo sem máscara e dormindo em cabines com até 26 pessoas.
Em Israel, a reabertura das escolas em maio serviu de alerta para os gestores. Logo na primeira semana, uma escola relatou que mais de 250 alunos e profissionais haviam contraído o vírus, informou a revista norte-americana especializada em educação Education Week. Cerca de 250 estabelecimentos de ensino tiveram que fechar as portas após o reinício das atividades, devido a novos casos da doença.
Especialistas acreditam que a volta das aulas presenciais pode ter contribuído para uma segunda onda da Covid-19 em território israelense, embora haja quem considere que o real motivo tenha sido a flexibilização das demais atividades econômicas − somada ao comportamento de grande parte da população nesse período. A reabertura coincidiu com um aumento da temperatura, que chegou a 40 graus e levou escolas a manter as janelas fechadas com o ar-condicionado ligado.
“Houve uma euforia geral entre o público, a sensação de que havíamos lidado bem com a primeira onda e que ela tinha ficado para trás”, disse o diretor da escola de Ensino Médio Gymnasia Ha’ivrit, Danniel Leibovitch, ao jornal The New York Times. “Claro que isso não era verdade.”
Um aluno da Gymnasia avisou a escola que testara positivo para a Covid-19 logo no primeiro dia, em 17 de maio. No dia seguinte, outro aluno fez o mesmo. Em pouco tempo, já eram 154 estudantes e 26 profissionais, conforme a revista. Alguns professores tiveram que ser hospitalizados e 60% dos alunos não desenvolveram sintomas. Dezenas de pessoas que tiveram contato com os estudantes e professores também contraíram o novo coronavírus.
A Education Week transcreve uma recomendação do periódico europeu especializado em doenças infecciosas The Eurosurveillance:
“A prevenção da Covid-19 em escolas envolve estudar em pequenos grupos e evitar interagir nas atividades e no transporte. Professores e pais devem liderar usando máscaras, lavando as mãos, mantendo distância física etc. A ida à escola deve ser evitada diante de qualquer sinal da doença.”