Tecnologia, apoio emocional, laços com famílias… diretores contam aprendizados com a pandemia
Se gerir uma escola já é um desafio e tanto, o ensino remoto imposto pela pandemia exigiu, mais do que nunca, que os diretores exercessem sua liderança – e buscassem formas de enfrentar as barreiras impostas pelo isolamento social. Desempenharam papel essencial no suporte aos professores, que tiveram que incorporar as ferramentas tecnológicas à sua prática e se reinventar. Precisaram ainda buscar estratégias para manter a equipe motivada a despeito das dificuldades impostas pelo contexto e traçar estratégias para não deixar nenhum aluno para trás e diminuir o risco de evasão, além de dar conta do atendimento aos pais.
Nessa terceira reportagem da série Aprendizados do ensino remoto, ouvimos diretores de escolas públicas de diferentes redes para saber quais foram, na visão deles, as lições desse período.
Tecnologia
É quase um consenso na fala dos diretores que a apropriação e uso dos recursos tecnológicos para fins didáticos pelos professores – ainda que compulsória – deve ficar como um dos “legados” da pandemia.
“A tecnologia com certeza veio para ficar. Professores que tinham horror, não queriam, estão aprendendo, a duras penas. E os que já sabiam, esses estão arrasando. Temos trabalhos em vídeo, de contação de história maravilhosos”, relata a diretora Sandra Shafirovits, da EMEF Maria Pavanatti Fávaro, em Campinas (SP).
Embora não esteja igualmente acessível à totalidade dos estudantes, a conclusão é que essa utilização da tecnologia na educação durante o período de fechamento das escolas, associada a outras estratégias, não só viabilizou a continuidade das atividades escolares como também enriqueceu o trabalho pedagógico, devendo seguir como mais uma ferramenta à disposição do processo de ensino-aprendizagem.
“A perspectiva que temos para 2021 é que não mais abriremos mão da tecnologia em sala de aula. Ela veio num momento muito singular, mas foi tratada como elementar”, afirma Idalisa Brasil, diretora do Colégio Dom Fernando I, em Goiânia (GO).
Dentre as ferramentas que passaram a ser utilizadas pela escola durante a pandemia, ela destaca a aquisição de uma lousa digital, que possibilitou uma maior interatividade entre professores e alunos. Idalisa explica que o equipamento permite que o professor escreva nela como se estivesse no quadro tradicional e as anotações sejam reproduzidas nas telas dos estudantes – o que ajuda a dar um clima de aula presencial, além de outros recursos, como gravação, visitas on-line a museus e laboratórios, entre outros. “Isso aí aproximou demais os alunos do professor”, relata.
“No ano que vem, quando tivermos aulas com alunos e professores presentes, a lousa digital permite que eu trabalhe com um tema com os alunos do 1º ano e replique esse mesmo conteúdo para os alunos do 2º e 3 anos. Posso pensar em aulas gravadas para o aluno que estuda de manhã e não pôde ir à escola para ele assistir à tarde. Ou para os que querem tirar dúvidas”, enumera a diretora sobre as possibilidades de uso do dispositivo.
No curto prazo, mesmo com a retomada das aulas presenciais, a adoção do ensino híbrido deve ser uma realidade, já que os protocolos sanitários preveem o retorno opcional e gradual dos estudantes e rodízio nas turmas, evitando a aglomeração de alunos nas salas. Desse modo, a tecnologia seguirá como aliada nos próximos meses. “A gente vai conviver muito tempo com essa plataforma, trabalhando reforço, atividades, [como suporte para] alunos que não conseguem se reunir…”, acredita Sandra.
Relacionamento com a equipe/planejamento
Do ponto de vista da gestão, a utilização de ferramentas digitais para realização de reuniões a distância também trouxe ganhos em termos de planejamento na escola, observa Jakeline Marinho Soares, diretora da Escola Antonio Deromi Soares, em Buriti dos Montes (PI).
“Quando marcava encontros, tinha muita dificuldade de encontrar um momento em que eu pudesse sentar com todo mundo. A gente fazia um planejamento coletivo para debater determinadas situações importantes, mas como só parte dos professores conseguia participar ficava “quebrado”. Agora não. Marcando as reuniões pelo Meet ou Zoom, consigo inserir todos eles”.
Ela também comenta que o ensino remoto acabou consolidando um planejamento mais estruturado das aulas, uma vez que os professores precisam impreterivelmente enviar seus planos no início de cada mês para análise e validação da gestão antes do registro na plataforma.
Projetos
Surpreendentemente, as diretoras relatam ainda que o cenário imposto pela pandemia acabou facilitando a viabilização de projetos ou mesmo favorecendo o andamento de projetos que não fluíam tão bem presencialmente.
Na Escola Antonio Deromi Soares, em Buriti dos Montes (PI), o Festival de Talentos foi uma das iniciativas que já existiam no plano das ideias, mas só foram concretizadas durante esse período de ensino remoto. “O Festival aconteceu pela primeira vez on-line e foi um sucesso”, afirma Jakeline. O evento se insere em um conjunto de ações já realizadas pela escola antes da pandemia com o objetivo de estimular o protagonismo estudantil e fortalecer a autoestima dos alunos – uma preocupação da escola diante do impacto negativo da pandemia no bem-estar socioemocional de todos.
“Atividades como essas fortaleceram os estudantes, permitiram que eles se vissem e tivessem seus talentos reconhecidos pela comunidade”, explica a diretora, acrescentando que os vídeos enviados pelos alunos agora estão sendo transmitidos também durante os intervalos das aulas do Canal Educação (canal educativo mantido pela Secretaria Estadual).
No Colégio Dom Fernando I, em Goiânia, um festival com proposta semelhante também foi realizado. Um certificado e um chocolate “Talento” foram distribuídos aos estudantes que participaram. “Faz o aluno se sentir valorizado, passar na escola, ligar para professora. Essa amarração que a gente faz”, pensa Idalisa.
Entusiasta das ferramentas digitais, ela destaca que a intensificação do uso desses recursos agilizou a execução das ações na escola. “Antes havia projetos que a gente gastava um mês. Mesmo com ele elaborado, até ele acontecer, com datas, levava dois, três meses por exemplo. Agora a gente consegue fazer um projeto mais rápido porque a informação chega mais rápido ao aluno e aos professores”, acredita.
Na Pavanetti Fávaro, de Campinas (SP), a diretora cita um grupo composto por meninas e professoras para discussão de questões femininas e dentro dele um subgrupo que discute a menarca (a primeira menstruação). “As meninas estão amando, tem dado super certo. Já existia esse grupo, mas está funcionando melhor dessa forma”, observa Sandra.
Aproximação com as famílias
Por uma série de fatores, a aproximação entre escola e família também foi um movimento observado pelas gestoras durante a pandemia, uma parceria sempre buscada e que ganhou ainda mais relevância nesse contexto de ensino remoto.
A diretora Idalisa, de Goiânia (GO), destaca o perfil no Instagram da escola, criado durante a pandemia para divulgação das atividades, pelo seu alcance. Ela celebra o número de seguidores na rede (805), número bem acima do total de estudantes matriculados na Dom Fernando (720). “São as famílias, mães que sentiram vontade de voltar a estudar, amigos, ex-alunos… Deixamos os links abertos, isso foi muito bom, porque o ensino é para todos, não precisa estar matriculado. É um serviço de utilidade pública educacional digamos assim”.
“As nossas reuniões de pais têm sido maravilhosas, com uma presença enorme. A gente já tinha reuniões bem frequentadas na escola, mas sempre tinha problema de horário, professor que não podia voltar para escola à noite, de dia nem todos os pais podem. Temos tido reuniões com muita gente, boa participação”, afirma Sandra, da escola de Campinas.
A busca ativa dos alunos que não estão realizando as atividades remotas também é mencionada como uma ação que contribuiu para esse estreitamento das relações entre família e escola, envolvendo não só professores e coordenadores pedagógicos, mas toda a equipe de funcionários da unidade. “Até o guarda da nossa escola às vezes assessorava algum pai. Como ele está na escola o dia inteiro, tem uma filha numa outra escola da rede que está com o mesmo tipo de atividade e sabe mexer na plataforma, quando algum pai passava na escola, ele mostrava algumas coisas”, comenta Sandra. Além disso, a orientadora pedagógica realizou visitas às casas dos alunos que não estavam dando devolutivas. “[Com isso], fomos descobrindo algumas dificuldades dos pais e eles ficaram muito gratos porque se sentiram acarinhados”, conta.
O mesmo aconteceu na Dom Fernando I. “Teve pais que agradeceram a ligação dos professores. Porque acontecia de um aluno receber um dia a ligação do professor x, no outro dia ele recebia da moça da limpeza, depois ele recebia da auxiliar que nem é da sala dele. Tenho uma cozinheira que leva tarefa para o filho de alguém que ela conhece e depois busca. É uma parceria importante que passa por todos os funcionários da escola”, reconhece a diretora Idalisa.
O empenho da escola em não deixar nenhum aluno para trás também levou os professores a aprimorarem e diversificarem suas práticas para dar conta dos diferentes cenários existentes, na opinião de Jakeline. A escola que dirige, em Buriti dos Montes (PI), atende a alunos da cidade e de outras 17 comunidades ao redor com acesso limitado à rede. E um dos principais recursos utilizados no ensino remoto são as aulas transmitidas pelo Canal Educação. “Temos que planejar atividades para três grupos de alunos: os que fazem as atividades impressas, para que ele se sinta dentro do processo [de ensino-aprendizagem]; tenho aqueles que participam ativamente das aulas do canal e realizam 100% das atividades on-line e tenho aqueles que devolvem uma ou duas atividades mas não assistem às aulas do Canal”, explica.
A despeito das dificuldades vividas no contexto atual, Jakeline, como boa gestora, não se deixa esmorecer. “A gente sabe que tem muito problema, que o acesso é pouco, que as devolutivas não acontecem como a gente deseja. Mas eu continuo vendo muita potencialidade, muita aprendizagem, muita oportunidade também”, diz.